‘TENENTES DE TOGA COMANDAM BALBÚRDIA’, AFIRMA CIENTISTA
POLÍTICO
Segundo Luiz Werneck Vianna, pesquisador da PUC-Rio, MP e
Judiciário alimentam crise política para reforçar seus interesses corporativos
RIO - O cientista político Luiz Werneck Vianna, da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, vê “uma inteligência” – a das
corporações jurídicas, como o Ministério Público e o Judiciário – no comando da
crise política que assola o País. “Essa balbúrdia é provocada e manipulada com
perícia”, diz, ao se referir à divulgação de casos de corrupção envolvendo
políticos.
Para ele, procuradores e juízes são “tenentes de toga” – uma
comparação com os jovens militares dos anos 1920 –, mas, diferentemente dos
revolucionários fardados do passado, não têm programa além de uma “reforma
moral” do País.
● Os vazamentos de delações de executivos da Odebrecht caíram
como uma bomba na classe política. O que podemos esperar da crise, que parece
não ter fim?
Essas coisas não estão acontecendo naturalmente. Não são
processos espontâneos. A esta altura, a meu ver, não há dúvida de que há uma
inteligência organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e
manipulada com perícia.
● Mas quem faz isso? O Ministério Público? O Judiciário?
Essas corporações tomaram conta do País.
● Estão se sobrepondo ao sistema político?
Sim, claramente. E também ganhando mais poder. Na defesa dos
interesses públicos, reforçam suas conquistas corporativas. Então não se pode
mexer na questão do teto salarial.
● Podemos concluir que a crise se prolongará, já que isso
interessaria a essas corporações?
O fato é que se criou, nesses últimos anos, uma cultura
corporativa muito poderosa. Se você fizer um recenseamento dessas corporações,
dos seus encontros anuais, são milhares de profissionais que anualmente se
reúnem em algum canto, em geral paradisíaco, para definir a sua agenda, do
ponto de vista corporativo. E os partidos não têm penetração, não têm inclusão.
São figuras mantidas à margem.
● Os partidos acabaram?
Não acabaram. Estão aí. Estão muito enfraquecidos e sendo
objeto deste achincalhe.
● Mas as posições defendidas por esses setores têm sustentação
na sociedade, não?
Esse andamento não foi previsto. Foi sendo percebido ao
longo do processo. Uma coisa sabiam: que a conquista da mídia era estratégica.
Se você pegar os textos que embasam as ações da Lava Jato, lá nos escritos do
juiz Sérgio Moro, vai ver a percepção que eles tinham a respeito da mídia como
dimensão estratégica. As ruas foram o inesperado, mas que aos poucos foi-se
descobrindo como outra dimensão a ser trabalhada. Então, montou-se uma rede,
que hoje já não atua mais espontaneamente. Esse processo é, a essa altura,
governado. Imprime-se a ele uma certa direção. Agora, para quê, para onde,
acredito que eles não sabem.
● O papel dessas corporações teria de ser revisto?
Só quem pode enfrentar essas corporações é o poder político
organizado. Quando elas são atacadas, se defendem dizendo que na verdade quem
está sendo atingindo é o interesse público. Conseguiram armar esse sistema que
as tem protegido de crítica. A questão (da limitação) dos altos salários, por
exemplo. Dizem que essas não são medidas corretivas, mas sim que penalizam o
poder judicial. Quando eles se protegem da opinião pública mobilizando na outra
mão a Lava Jato, ficam inatacáveis.
● O governo Temer sobrevive até 2018? Chegaremos às eleições?
Torço para que isso ocorra. Porque a destruição desse
governo agora nos joga nas trevas. Destitui-lo para quê? Para fazer eleição
direta? Mas como? Fazer eleição direta neste caos? Quem vai ganhar isso?
● Vivemos uma espécie de “Revolução dos bacharéis”?
Não, não, não. Tem uma metáfora melhor, a dos
tenentes.
● Na Constituição faltam controles sobre essas corporações?
Em princípio, não. O problema é que as instituições têm de
ser “vestidas” pelos personagens. E, a partir de certo momento, os personagens
começaram a ter comportamentos bizarros. E que têm essa visão iluminada que os
tenentes tiveram, nos anos 20. Só que os tenentes tinham um programa econômico
e social para o País. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas
de uma reforma moral.
● Mas o combate à corrupção não é importante?
Sem dúvida. Agora, política é política. Este Judiciário que
está aí ignora a existência de Maquiavel. Ele se comporta apenas com um ímpeto
virtuoso, um ímpeto de missão.
● A atuação dessas corporações fortalece a negação da
política?
Sim. Elas só existem desse jeito destravado, sem freios,
porque as instituições republicanas recuaram. E o presidencialismo de coalizão
teve responsabilidade nisso. Porque rebaixou os partidos, fez dos partidos
centros de negócio. (Estadão Conteúdo)
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