O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André
Mendonça decidiu liberar as reportagens do portal UOL sobre a
compra de 51 imóveis em dinheiro vivo pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mais cedo, o portal
acionou o STF contra a decisão do desembargador Demétrius Gomes
Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ele tinha determinado
a retirada das reportagens que tratavam das negociações.
A medida vale até que a reclamação do site seja julgada
pelo Supremo. Na decisão, Mendonça apontou que a censura a qualquer
pretexto não encontra amparo na Constituição.
"No Estado Democrático de Direito, deve ser
assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo
exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre
exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que
sejam as intenções, máxime se tal restrição partir do Poder Judiciário,
protetor último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na
Carta Republicana de 1988", escreveu André Mendonça.
O ministro afirmou ainda que a Justiça assegura outros
caminhos para discutir direitos individuais, sem a necessidade de supressão da
liberdade de expressão e de imprensa.
Mendonça disse também que o STF tem reiteradas decisões
que asseguram a plena liberdade de imprensa no país. Segundo o ministro, não há
espaço no país para censura.
"No referido julgamento, reiterou-se a plena
liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de
censura, bem assim, a imposição, ao Poder Judiciário, do dever de dotar de
efetividade os direitos fundamentais de imprensa e de informação."
Retirada de reportagens
O desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti acolheu um
pedido do senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ). Na decisão que ordenou a retirada das reportagens
do UOL, o magistrado disse entender que os textos, escritos pelos jornalistas
Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, se basearam em uma investigação anulada pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em novembro de 2021, também após recurso de Flávio
Bolsonaro, o STJ
anulou todas as decisões de primeira instância nas investigações de supostas
rachadinhas – confiscos de parte dos salários dos servidores – no
gabinete do parlamentar. Alguns dos imóveis comprados pela família Bolsonaro e
citados nas reportagens do UOL também eram citados nessa investigação que foi
anulada.
Mais cedo, o UOL já havia informado que cumpriria a
decisão, mas via censura no caso e recorreria na Justiça. Confira, no
vídeo abaixo, as principais informações reveladas pelo UOL nas reportagens agora
fora do ar:
O que dizem as reportagens?
As reportagens consideravam o patrimônio
do presidente, dos três filhos mais velhos, da mãe, de cinco irmãos e duas
ex-mulheres no Distrito Federal e nos estados do Rio de Janeiro e São
Paulo. Segundo o texto, são 107 imóveis, dos quais 51 foram comprados com
dinheiro vivo. Em valores corrigidos pela inflação, o montante equivale
hoje a quase R$ 26 milhões, de acordo com a reportagem.
A lista de imóveis inclui propriedades que foram citadas
nas investigações sobre um suposto esquema de "rachadinhas"
envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio
de Janeiro, entre 2003 e 2018.
Um dia após a divulgação das reportagens, o presidente
Jair Bolsonaro se irritou ao ser questionado sobre a compra de imóveis com
dinheiro vivo. "Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum
imóvel? Não sei o que está escrito na matéria. Qual o problema? Investiga, meu
Deus do céu, investiga", afirmou.
A reportagem do UOL, publicada em agosto, afirmava que
consultou mais de mil páginas de documentos de cartórios de imóveis e registros
de escritura, e que percorreu 12 cidades para checar endereços e a destinação
dada às propriedades, além de consultar processos judiciais.
Segundo o texto, a aquisição de parte dos imóveis em
dinheiro foi confirmada em declarações dos próprios integrantes da família
Bolsonaro. De acordo com a reportagem, "as compras registradas nos
cartórios com o modo de pagamento 'em moeda corrente nacional' totalizaram R$
13,5 milhões. Em valores corrigidos pelo IPCA, este montante equivale, nos dias
atuais, a R$ 25,6 milhões".
A reportagem do UOL também afirma que, do total de 107
imóveis que compõem o patrimônio dos familiares do presidente, ao menos 25 foram
comprados em situações que suscitaram investigações do Ministério Público do
Rio de Janeiro e do Distrito Federal.
Um dos imóveis adquiridos por uma das ex-mulheres de
Bolsonaro foi uma mansão no Lago Sul, em Brasília, avaliada em R$ 3,2 milhões.
Em agosto do ano passado, o UOL revelou que Ana Cristina Valle e o filho Jair
Renan moravam lá. Na época, Ana Cristina disse que a casa era alugada. Este
ano, ela incluiu o imóvel na declaração de bens à Justiça Eleitoral com valor
menor: R$ 829 mil.
Reações
A decisão do desembargador do TJDFT gerou reações entre
as entidades que representam o jornalismo. Em nota, o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) repudiou a medida.
"A censura imposta às matérias vai contra a
liberdade de imprensa, que a própria Justiça deveria proteger, e ataca, mais
uma vez, um dos mais importantes pilares da democracia", diz o comunicado.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
(Abraji) considerou "gravíssima" a decisão. De acordo com a entidade,
o ato foi "um ataque a toda imprensa brasileira".
Para a associação, é "de interesse de toda a
sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas envolvendo
familiares do presidente – entre eles, três parlamentares". A Abraji
afirmou ainda que, em um contexto eleitoral, "a liminar é ainda mais
grave, pois impede o escrutínio público, cerceia o debate e impede o exercício
livre da imprensa". (Fonte: G1)
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