● BOLSONARO ACHA QUE MAIA LIGOU ‘BOMBA RELÓGIO’ E
CONGRESSO PREPARA TROCO - O mais duro ataque público do presidente Jair
Bolsonaro a Rodrigo Maia (DEM-RJ), na noite de quinta-feira, 16, pode custar
caro ao governo. O novo capítulo do duelo entre Bolsonaro e o presidente da
Câmara, após a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem como
pano de fundo o programa de socorro a Estados e municípios, no valor de R$ 89,6
bilhões. A briga, no entanto, vai muito além dessa cifra.
Convencido de que Maia quer não apenas derrubá-lo como
fazer uma manobra para ser reeleito ao comando da Câmara, em 2021, Bolsonaro
iniciou, nas últimas semanas, uma rodada de conversas com dirigentes do
Centrão. No novo modelo de articulação política planejado pelo presidente, as
negociações do Planalto com o Congresso, a partir de agora, serão feitas com
deputados e senadores.
Antes carimbados como “velha política”, líderes de
legendas como PP, PR e PSD foram chamados para encontros reservados com
Bolsonaro. Isolado, o presidente pediu ajuda a todos eles para a votação de
projetos que possam amenizar a crise social e econômica provocada pela pandemia
do coronavírus.
Na avaliação de Bolsonaro há uma “bomba-relógio” fiscal
em curso, armada por Maia, com o objetivo de ferir de morte sua gestão. “Parece
que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que eu esteja equivocado”,
disse o presidente, na noite desta quinta-feira, em entrevista à CNN Brasil.
“Qual o objetivo do senhor Rodrigo Maia? Ele quer atacar o governo federal,
enfiar a faca. (…) Está conduzindo o País para o caos”, emendou.
Dois dias antes, Maia já havia reclamado dos “coices”
dados pelo governo. Desta vez, porém, mudou o linguajar e falou em pedras. “Ele
joga pedras e o Parlamento vai jogar flores”, afirmou o deputado.
Apesar do discurso, o troco pode vir a cavalo. O governo
teme, por exemplo, que a Medida Provisória instituindo o contrato verde e
amarelo perca a validade. A MP flexibiliza o pagamento de direitos trabalhistas
e contribuições sociais para facilitar a contratação de jovens e funcionários
com mais de 55 anos. Foi aprovada pela Câmara, mas, se não for votada até
segunda-feira, 20, caduca. Ao que tudo indica, há mais uma derrota no horizonte
para o Planalto.
Bolsonaro está especialmente irritado com Maia porque, em
videoconferências com banqueiros e investidores, o deputado tem alfinetado sua
administração. O presidente da Câmara chegou a dizer, num desses encontros
virtuais que, se não fosse a crise do coronavírus, o Congresso já teria rompido
com Bolsonaro.
A demissão de Mandetta azedou de vez um relacionamento
que já era ruim. A exemplo de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(AP), Mandetta é filiado ao DEM, partido que também integra o Centrão.
Na prática, Bolsonaro aproveitou o bate-boca desta quinta
para desviar o foco negativo da dispensa de Mandetta, o ministro que era mais
popular do que o chefe. Ao anunciar a saída, o presidente foi, novamente, alvo
de panelaços em várias capitais do País.
O confronto entre Bolsonaro e Maia, no entanto, vem de
longe. Tanto que o presidente da Câmara nem fala mais com o ministro da
Economia, Paulo Guedes, sob a alegação de que não quer se aborrecer. A queda de
braço ganhou contornos mais nítidos após a disputa pelo controle do Orçamento e
chegou ao ápice recentemente, com a aprovação do programa de socorro a Estados
e municípios.
O valor de R$ 89,6 bilhões que passou pelo crivo da
Câmara é outro revés para o governo, que tenta mudar a proposta na votação no
Senado, oferecendo uma transferência direta com valor fixo de R$ 40 bilhões.
Guedes argumenta que “não se pode dar um cheque em branco a governadores de
Estados mais ricos”, pois não é possível saber quanto tempo vai durar a
pandemia.
Bolsonaro também usa essa justificativa para não ampliar
os repasses a Estados que adotam medidas de isolamento social para enfrentar o
coronavírus.
A avaliação ali é a de que, ao compensar por seis meses a
perda na arrecadação de dois impostos (ICMS e ISS), o governo federal acabará
bancando o prolongamento da quarentena em Estados administrados por
adversários, como João Doria (São Paulo) e Wilson Witzel (Rio). Os dois são
pré-candidatos à cadeira de Bolsonaro, em 2022.
“O que o povo tem a ver com a briga do presidente com o
governador João Doria?”, provocou Maia, que é próximo do tucano. “Vamos deixar
as brigas para o futuro”.
Maia tem dito que não fará qualquer movimento para
conquistar novo mandato à frente da Câmara. Antes da pandemia, porém,
Alcolumbre já havia consultado até mesmo juristas sobre o assunto.
A Constituição proíbe que presidentes da Câmara e do
Senado sejam reconduzidos ao posto na mesma legislatura. Para alterar esse
quadro, o Congresso precisaria aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) e, ainda, alterar o regimento das duas Casas.
Diante da crise do coronavírus, no entanto, o Congresso
pode adotar uma fórmula que permita a reeleição de Maia e Alcolumbre, para
desespero dos bolsonaristas. Cresce, ainda, a possibilidade de adiamento das
eleições municipais de outubro para dezembro.
Nas redes sociais, seguidores de Bolsonaro já comemoram
com antecedência a saída de Maia e Alcolumbre de seus postos. No afã de ver a
dupla pelas costas, eles erraram até mesmo a data do término da gestão no
Congresso. Marcaram dezembro, quando, na realidade, é fim de janeiro. De 2021.
(Estadão)
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