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MEDO DE CONTÁGIO INIBE CONSUMO MESMO SEM ISOLAMENTO SOCIAL - O relaxamento de
medidas de distanciamento social pode ser incapaz de eliminar os efeitos
econômicos negativos da Covid-19 se a propagação do vírus não estiver sob
controle. Dois estudos recentes que analisaram dados de diferentes
países concluíram que, em situações de taxas de contágio elevadas –como ainda é
o caso do Brasil–, o impacto recessivo da crise sanitária é alto, mesmo sem
quarentenas ou lockdowns.
O artigo “Covid-19 doesn’t need lockdowns to destroy
jobs: the effect of local outbreaks in Korea” se debruçou sobre a realidade da
Coreia do Sul, um dos primeiros países afetados pela pandemia.
Escrito pelos economistas Sangmin Aum, Sang Yoon Lee e
Yongseok Shin, o trabalho foi publicado como texto para discussão pelo centro
de pesquisa americano NBER (National Bureau of Economic Research).
Segundo os autores, apenas o medo do contágio faz com que
um aumento de 0,1% nos casos de infecções confirmadas leve a uma queda de dois
a três pontos percentuais no nível de emprego local.
Isso ocorre porque, quando o receio de contaminação é
alto, a população reduz o tempo fora de casa –mesmo sem ser obrigada a isso–,
derrubando a demanda por bens e serviços na economia, o que afeta o retorno dos
negócios e aumenta o desemprego.
A tendência de maior reclusão espontânea tem sido
identificada em países como a Suécia, uma das poucas nações ocidentais que não
adotaram regras rígidas de distanciamento social.
O artigo “Pandemic, Shutdown and Consumer Spending:
Lessons from Scandinavian Policy Responses to COVID-19”, de pesquisadores da
Universidade de Copenhague, comparou consumo na Suécia com o da vizinha
Dinamarca, que respondeu ao coronavírus com regras bem mais severas de
isolamento.
O estudo ressalta que a lógica de que “severas restrições
ajudam a conter o vírus e diminuem o número de mortes, mas causam mais dano
econômico” pode não se confirmar, pois, mesmo sem obrigação, “os indivíduos
talvez escolham restringir sua atividade econômica com base no risco de saúde”.
Seus resultados indicam que é exatamente isso que a
população sueca fez. O comportamento mais recluso da população do país
explicaria, segundo os economistas, o fato de os 25% de queda do consumo
causada inicialmente pela pandemia na Suécia não ter sido muito inferior aos
29% registrados na Dinamarca.
“Isso sugere que a maior parte da contração econômica é
causada pelo vírus em si e ocorre independentemente de governos imporem
distância social”, diz o estudo.
Embora as conclusões desses trabalhos sejam preliminares,
podem ajudar a orientar políticas públicas, principalmente em nações atingidas
mais tarde pelo vírus.
Se os resultados aferidos na Coreia e na Escandinávia se
repetirem em outros países, o recente relaxamento da quarentena em estados do
Brasil onde o contágio permanece alto pode, por exemplo, ter efeito limitado
sobre a reativação da economia.
O comércio de rua de São Paulo reabre nesta quarta, e os
shoppings, na quinta.
Segundo cálculos do Covid-19 Analytics, modelo criado por
economistas da PUC-Rio em conjunto com pesquisadores de outras instituições, o
Brasil ainda está na etapa de disseminação da doença.
Essa fase é superada apenas quando a taxa de reprodução
do vírus –que indica quantas pessoas um infectado contamina– cai abaixo de 1.
Entre as 27 unidades da federação brasileiras, nenhum
estava nesse patamar no domingo (7), último dia para o qual há dados
atualizados.
O economista Marcelo Fernandes, professor da EESP-FGV
associado ao grupo, explica que a metodologia do modelo permite atenuar a
instabilidade de novas notificações. Ao atualizar os dados diariamente, os
economistas verificam se suas projeções têm sido confirmadas pela série
histórica.
“Sem essa correção, que suaviza os sobes e desces da
série, os dados seriam de pouca utilidade para políticas públicas”, diz
Fernandes.
As estimativas do Covid-19 Analytics revelam que a taxa
de contágio no Brasil está em trajetória descendente, mas ainda não indica que
a epidemia atingiu seu pico no país.
O cenário de São Paulo, que começou a afrouxar
recentemente a quarentena em vigor desde meados de março, se assemelha ao da
média do país.
Segundo Fernandes, embora os dados mostrem que nem o
estado nem o país estejam em uma situação confortável, decisões de políticas
públicas se pautam em um conjunto amplo de indicadores.
“Os gestores podem se sentir confortáveis em relaxar a
quarentena com base na evolução de outros dados aos quais não temos acesso,
como a taxa de utilização de leitos de UTIs”, diz.
Portanto, de acordo com Fernandes, não cabe ao grupo de
pesquisadores julgar se o ajuste de medidas em estados como São Paulo é
correto.
“O que podemos dizer é que a taxa de contágio permanece
elevada e pode aumentar no com uma reabertura”, diz.
Em situações como essa, estudos como o da Coreia e da
Escandinávia mostram que os efeitos da Covid-19 tendem a permanecer elevados
pelo temor de contaminação.
Os economistas que analisaram a situação do país asiático
conseguiram isolar o efeito recessivo do medo do coronavírus devido a uma
peculiaridade no desenvolvimento da epidemia na Coreia.
Desde o surgimento dos primeiros casos, o governo
sul-coreano respondeu à crise testando massivamente a população, identificando
os infectados e as pessoas com quem eles tiveram contato e isolando apenas
esses grupos.
A estratégia se mostrou eficaz, mantendo a taxa de
infecção no país baixa.
Mas em uma única região, chamada Daegu-Gyeongbuk (DG), a
situação fugiu ao controle devido à contaminação de um número grande de pessoas
que participaram de um culto religioso, no qual havia um infectado. Sozinha,
essa área concentrou 86,5% do número de contagiados pelo coronavírus no país
entre o fim de janeiro e o fim de fevereiro. (Folha de S.Paulo)
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