Segundo a Folha ouviu de oficiais-generais das três
Forças, apesar de a interlocução com o petista ser basicamente inexistente
neste momento, os eventos falariam por si e serviriam para tirar o bode de um
golpe militar contra Lula em caso de vitória em outubro.
Nas duas últimas semanas, alguns fatos se colocaram na
sempre espinhosa relação entre os militares e Bolsonaro, a saber:
1. O Exército determinou que todos os 67 exercícios
militares programados para o ano fossem encerrados até setembro para liberar a
tropa no caso de haver violência eleitoral ou, ainda pior, algum cenário ao
estilo Capitólio dos EUA.
2. A mesma Força lançou diretrizes no trato público da
pandemia que vão contra o negacionismo preconizado por Bolsonaro, em particular
criminalizando a divulgação de fake news, tão ao gosto do bolsonarismo, o que
causou ruído no Planalto.
3. O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), almirante Antônio Barra Torres, divulgou uma duríssima
nota chamando o presidente à responsabilidade por ter acusado o órgão de ter
interesses escusos na vacinação de crianças, que Bolsonaro critica.
O conjunto de eventos, dizem fardados em altos postos do
serviço ativo, estabeleceu de saída no ano eleitoral uma linha divisória entre
a balbúrdia presidencial e as Forças.
Mais que isso, buscou dizer aos candidatos ao Planalto
que, independentemente de quem vença a eleição, a Força se manterá neutra. Os
atos foram necessários já que, do ponto de vista de imagem, o caráter militar
do governo Bolsonaro causa justificável apreensão da esquerda à direita.
O foco, dizem generais, almirantes e brigadeiros, é,
claro, Lula. O petista até tentou estabelecer uma ponte com os fardados no ano
passado, mas não foi bem-sucedido.
Há entre os militares um sentimento refratário ao petista
devido ao que consideram leniência com a corrupção, tanto que a candidatura de
Sergio Moro (Podemos), o ex-juiz que colocou o petista na cadeia por 580 dias,
levantou interesse em setores fardados.
Por outro lado, na cúpula, há o pragmatismo de que hoje
Lula é o favorito para vencer a eleição. A leitura benigna é de que os
militares buscam reiterar isenção; a mais maquiavélica é a de que não querem
revanchismo por parte do novo chefe, caso o petista volte ao poder.
De todo modo, todos os ouvidos lembram o que chamam de
tempos de vacas gordas sob Lula, quando a bonança internacional das commodities
e uma gestão fiscal responsável até a etapa final de seu mandato permitiram o
reequipamento das Forças com programas como o de submarinos, de caças e de
blindados.
Segundo interlocutores do ex-presidente, ele ainda vê com
reserva o comportamento do Exército em 2018, quando o então comandante Eduardo
Villas Bôas pressionou o Supremo Tribunal Federal em um tuíte para não conceder
habeas corpus que evitaria sua prisão.
Por outro lado, dizem que não acreditam haver óbice
institucional algum numa eventual relação, e que Lula tem compreendido os
sinais de fumaça que vêm da caserna.
No caso do Exército, o entrechoque deste mês não provocou
nenhuma crise de maior monta, a não ser questionamentos sobre a questão da
Covid-19 que não foram em frente do ministro da Defesa, general da reserva
Walter Braga Netto.
Já no de Barra Torres, que enfatizou em sua nota cobrando
que Bolsonaro ou recuasse, ou se retratasse, a situação ficou algo em aberto. O
Comando da Marinha avalizou os termos do almirante, que enfatizou sua condição
de oficial-general médico da reserva ao longo do texto.
Bolsonaro buscou ignorar o episódio para o dar como
encerrado, dizendo que não tinha colocado a integridade da agência em dúvida
—só para repetir insinuações.
O padrão tem irritado comandantes militares, ciosos de
que a sinergia entre o governo Bolsonaro e as Forças é algo difícil de ser
extirpada da mentalidade pública.
Como deixou claro livro-depoimento de Villas Bôas,
editado no ano passado, os militares operaram uma volta à política nas costas
de Bolsonaro quando foi exacerbado o sentimento antipetista na cúpula fardada.
Soldado indisciplinado e processado por isso, o então
deputado era visto com desprezo por generais, até que um grupo na reserva
atentou a seu potencial eleitoral e viu uma possibilidade de volta ao poder. O
serviço ativo aquiesceu, e forneceu quadros para o novo governo.
Ao longo de 2019 e 2020, a relação foi turbulenta, dado
que Bolsonaro usava a proximidade de forma instrumental na sua disputa com
outros Poderes, notadamente o Judiciário, cuja cúpula é malvista entre os
fardados. Por outro lado, os militares obtiveram, além de cargos, reforma de
carreira e de Previdência que pediam havia 20 anos.
O sucessor de Villas Bôas, Edson Leal Pujol, chocou-se
diretamente com Bolsonaro e acabou derrubado, no escopo da crise militar que
levou toda a cúpula da Defesa em março passado.
Seu sucessor, Paulo Sérgio Oliveira, vem navegando com
mais habilidade, embora tenha tido de ceder ao não punir Eduardo Pazuello
quando o general intendente da ativa, ex-ministro da Saúde, foi a ato político
com o presidente.
Tanto foi assim que, na sequência dos dois episódios
recentes, ele se reuniu com Bolsonaro, que afirmou estar tudo bem na relação
com sua antiga casa militar.
Na prática, os militares saíram dos holofotes desde que o
presidente baixou o tom de seu embate com Poderes e firmou a aliança com o
centrão, depois da crise aguda do 7 de Setembro de 2021. Como as falas recentes
de Bolsonaro sugerem, isso é bastante frágil como arcabouço.
Oficiais da ativa se queixam dos movimentos dos generais
de terno no governo. As conversas mais recentes giram em torno de Braga Netto,
que foi ministro da Casa Civil antes de assumir a Defesa na esteira da crise de
março.
Ele se mostrou um dos mais bolsonaristas dos militares no
governo e tem seu nome especulado para ocupar a vaga do também general de
quatro estrelas da reserva Hamilton Mourão como candidato a vice-presidente na
chapa governista.
Há dúvidas se o centrão, que na prática irá governar
neste último ano com a cessão de poderes orçamentários à Casa Civil sob o
comando do PP, terá apetite para indicar um vice.
O apoio e a bancada que será eleita mesmo que Bolsonaro
patine abaixo dos 20% no primeiro turno podem ser suficientes, sem carregar o
eventual caixão político do presidente de forma tão explícita.
Neste caso, Braga Netto surge forte, até porque ele é
visto como um cumpridor de ordens. O arranjo é apoiado por Luiz Eduardo Ramos
(Secretaria-Geral), que segundo aliados quer ocupar a Defesa neste último ano
de mandato. (Fonte: Igor Gielow, Folhapress)
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