● O POVO CONTRA AS ELITES - O ativismo antiestablishment
surgiu no calor da revolução industrial do século XIX. Simbolizava a
resistência contra as elites econômicas e políticas, marcando um período de
intensa luta de classes. Essa atitude política animou o surgimento de
movimentos como o anarquismo e o socialismo, críticos ao capitalismo industrial
e suas inerentes desigualdades sociais, propondo uma reestruturação das
relações de poder em busca de uma sociedade pautada pela igualdade e justiça.
Ao longo do tempo, essas ideias formaram a espinha dorsal da agenda
progressista, visando a transformação social por meio da contestação das
estruturas de poder e do monopólio privado das riquezas.
Contudo, na virada do século XX, presenciamos uma
apropriação da retórica antiestablishment pela direita política, que assim
angariou apoio popular entre eleitores insatisfeitos com o status quo, animando
discursos que, embora aparentemente desafiem as elites, visam, na realidade,
perpetuar as estruturas de poder existentes, desde que controladas por novos
líderes. A emergência do neoliberalismo exacerbou esse fenômeno, enfraquecendo
organizações trabalhistas e diluindo a radicalidade das lideranças de classe,
muitas das quais foram absorvidas pelas estruturas estatais. Como resultado, a
crise econômica acentuada pelas políticas neoliberais minou a confiança nas
instituições tradicionais e agravou a exclusão social, ao mesmo tempo em que a
esquerda se distanciava de sua base, adotando um discurso cada vez mais
complexo e distante dos confrontos diretos entre explorados e exploradores. A
luta de classe, síntese necessária da realidade social capitalista, deu lugar a
uma plêiade de identitarismos, esgarçando os recursos programáticos e
distanciando a esquerda da base social que animou sua origem e crescimento e da
ambição por uma transformação estrutural da sociedade, que pressupunha um tipo
de horizontalidade dentro dos processos de produção e o empoderamento popular
na forma de alguma democracia direta.
A dianteira tomada pela direita na adoção da bandeira
antiestablishment impõe à esquerda o desafio de se reconectar com suas raízes.
A realidade do trabalho precário e a diminuição do número de operários
industriais não diminuem a relevância da classe trabalhadora, que ainda forma a
maioria da população. Reconhecer isso implica reafirmar o compromisso com o
combate à desigualdade e a exclusão, retomando a luta contra a exploração
capitalista com propostas concretas e transformadoras. Ouvir os trabalhadores,
fortalecer a organização de base e abrir espaço para novas lideranças são
passos essenciais nesse processo.
Além disso, a luta contra a corrupção e a concentração de
poder devem voltar à retórica de esquerda, que não pode se omitir do combate
firme e corajosa contra essas práticas.
Outro aspecto crucial nesse resgate é a politização da
questão ambiental. A preocupação com o meio ambiente e o impacto das mudanças
climáticas é uma prioridade para a maioria da população, que apoia a proteção
ambiental mesmo que isso implique em menor crescimento econômico. A esquerda
deve liderar o debate sobre a reorganização dos modos de produção e consumo sob
uma lógica pós-capitalista, defendendo a transição para um socialismo ecológico
que priorize as necessidades da população em primeiro lugar.
Essa postura pode não apenas reconquistar a confiança das
massas, mas também reforçar a imagem da esquerda como real defensora dos
interesses coletivos. A mobilização popular contínua e o diálogo direto com os
cidadãos são fundamentais para reconstruir a legitimidade e o apoio de amplas
massas à esquerda.
A autocrítica sobre como a esquerda perdeu a bandeira
antiestablishment para a direita pode enriquecer o debate, oferecendo aos
progressistas a oportunidade de reafirmar seu compromisso com a transformação
social e a defesa dos interesses da classe trabalhadora. Retomar a bandeira do
povo contra as elites representa não apenas um desafio político, mas uma nova
chance de fortalecer a luta por uma sociedade mais justa, igualitária e
radicalmente democrática.
● Chico Cavalcante é jornalista, consultor político e
autor, dentre outras obras, do "Manual do Marketing de Guerrilha"
(Senac-SP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique a vontade para comentar o que quiser, apenas com coerência e sem ataques pessoais.