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UM PROJETO DE LEI EM TRAMITAÇÃO ACELERADA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS provocou um
debate intenso esta semana. O texto ainda não aprovado qualifica como homicídio
o aborto a partir de 22 semanas de gestação, mesmo em casos de estupro. Isso em
um país em que, a cada oito minutos, uma menina ou mulher é estuprada, de
acordo com dados do Fórum de Segurança Pública.
Em 2020, religiosos tentaram impedir que uma criança de
dez anos, violentada pelo tio, fizesse o aborto a que tinha direito por lei.
Ela foi levada do Espírito Santo a Pernambuco para ter acesso ao procedimento.
A história ganhou repercussão nacional. Quatro anos depois, a família desta
menina, hoje adolescente, falou pela primeira vez, com o
"Fantástico".
Na última quarta-feira (12), os deputados decidiram, em
23 segundos, que o PL 1904/24 vai tramitar em regime de urgência. Ou seja,
passando direto para a votação em plenário, sem análise de comissão, como é o
procedimento habitual.
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O ABORTO NO BRASIL SÓ É PERMITIDO EM TRÊS CASOS: se a gravidez for resultante
de um estupro; se colocar a vida da mãe em risco; ou se o feto for anencéfalo.
Nessas três situações, o aborto é legal e não existe na
lei qualquer limite de tempo de gestação. Fora estes três cenários, o aborto
não é permitido no Brasil — e é crime.
A proposta que deve entrar em votação no plenário da
Câmara atribui uma pena quando o aborto ocorrer depois da vigésima segunda
semana de gestação.
O procedimento seria considerado, então, um homicídio —
com pena de seis a vinte anos de prisão. Tanto para a grávida quanto para quem
ajudá-la a abortar.
O projeto não altera a lei nos casos de anencefalia e de
gravidez com risco para a mãe.
O "Fantástico" localizou e conversou pela
primeira vez com a família da menina do Espírito Santo, que em 2020 comoveu o
país, porque teve
que lutar na justiça pra interromper a gravidez, depois de ter
sido estuprada pelo tio.
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A AVÓ É QUEM TEM A GUARDA DELA E A CHAMA DE FILHA - "Com certeza sou vó e
mãe, porque eu peguei 27 dias de nascida para mim. Para mim, é minha. Ninguém
toma, que eu não deixo", diz a avó.
A menina hoje é uma adolescente de 14 anos. A família
esconde a identidade por uma questão de segurança. Há quatro anos, eles tiveram
a identidade invadida durante um momento traumático.
"Nossa, destruiu a família toda, na verdade.
Desmoronou toda a estrutura da família", fala um tio.
A avó da jovem conta que teve a casa invadida por um
desconhecido.
"[Ele disse:]V'im aqui dar uma palavra para a
senhora, não pode fazer o aborto da sua filha'. Eu: 'por que?'. 'Porque a
senhora está pecando. Que a senhora está fazendo um negócio que Deus não
gosta'", diz ela.
A menina foi estuprada por um tio. Ele continua preso. A
avó que diz que nunca suspeitou dele.
"De jeito nenhum. O que aconteceu, eu fiquei de boca
aberta. Eu nunca imaginava."
O estuprador usava de ameaças para manter a vítima
calada.
"Dizia que se ela falasse alguma coisa ia matar o
pai dela. Ia matar, eu, matar o avô, os tio e principalmente a tia, que ela
gostava muito, que era a mulher dele."
A interrupção da gravidez da menina chocou o Brasil. Aos
10 anos, ela precisou entrar escondida no hospital para fazer algo que ela e a
família queriam e que tinha todo o amparo da lei.
"Foi uma descoberta tardia. Por ser uma menina, por
ter medo das ameaças que estava sofrendo, ela não conhecia o seu corpo. Então
ela foi levada pela família para o hospital da cidade. Naquele hospital, foi
confirmada a gestação. Mas dali ela foi retirada da família", diz Anna
Luiza Sartorio Bacellar, advogada da família.
"Ela passou alguns dias em um abrigo. Após uma
sentença judicial, é que ela foi levada para um hospital de referência e, na
sequência, após ser negado o procedimento, ela foi levada para
Pernambuco."
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OPINIÕES DIVIDIDAS - Esta semana, diferentes vozes ecoaram pelo país. Nas redes
sociais, nas ruas, protestos em vários estados. Na maioria, de mulher, mas
também de homens, entidades civis e artistas.
"Então, quer dizer, os estupradores, pelo Congresso,
têm mais direitos do que as mulheres e crianças que são estupradas", disse
a cantora Daniela Mercury em rede social.
"As vítimas precisam de atendimento médico urgente,
pra ter acesso a medicamentos que evitem gravidez e doenças. Precisam também de
apoio, se precisar interromper a gravidez decorrente do estupro", afirmou
o ator Lázaro Ramos no Instagram.
Já alguns defenderam o projeto.
"Todo aborto é o assassinato de um inocente. Então,
mesmo nos casos mais extremos, como por exemplo, um estupro, o assassinato da
criança não apaga o crime, não vai fazer com que aquele trauma vá embora",
falou o ator Juliano Cazarré.
"É um absurdo ela ser punida, porque ela já é punida.
Ela já foi estuprada. Ela não quer continuar a gravidez", diz o diretor do
Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), Olimpio Barbosa de Moraes
Filho.
"Não é por maldade que ela ultrapassa 22 semanas, é
porque o Estado não oferece o abortamento no seu município."
Barbosa foi quem atendeu a vítima capixaba, em 2020. Ele
diz que a menina não tinha noção da gravidez.
"A avó percebeu — e percebeu dentro abaixo de 20, de
22 semanas, 19 semanas. Mas ela foi obstruída de ter acesso ao serviço em Vitória,
que, por norma técnica de lá, a conduta eles têm um limite de 22 semanas, mas
não é a lei. A lei não proíbe acima de 22 semanas."
O Conselho Federal de Medicina publicou em abril uma
resolução que proíbe os médicos de fazerem assistolia fetal, procedimento usado
para a interrupção da gravidez após 22 semanas nos casos de aborto legal
decorrente de estupro.
Na prática, a norma contraria a lei, que não estabelece
limite máximo. A resolução foi suspensa em caráter liminar pelo ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com o dr. Olimpio Barbosa, apenas 3% dos mais
de cinco mil municípios brasileiros possuem atendimento, no SUS, para o aborto
legal.
"A menina estuprada ou a mulher estuprada, ela quer
ser atendida o mais rápido possível. É que o Brasil não permite, então está
sendo punida várias vezes. E, agora, proibir?", fala Barbosa.
"E aí eu eu digo, a gente está realmente botando uma
pá de cal nesta menina que já está nessa situação de extrema vulnerabilidade
psicológica, emocional, social", afirma Luciana Temer.
"E aí você pega e diz: 'não, minha filha, você está
grávida do seu pai, mas você vai ter que ter esse filho, sim, porque o Estado
resolveu que você vai ter que ter esse filho'."
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DISCUSSÃO NA CÂMARA E NO SENADO - No Congresso, o assunto também dividiu
opiniões. O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que o projeto de lei ainda
não foi aprovado, e que terá uma relatora mulher.
"O tema é polêmico. Se não tiver apoio ele não será
aprovado, ele não será sequer discutido. O relator, que eu já fiz compromisso
com a bancada feminina, que nesse projeto será uma parlamentar moderada, que
não defenda posições nem pró e nem contra", fala Lira
"Portanto, sem açodamento, sem nenhum tipo de
especulação, ninguém é a favor de estuprador e muito menos contra a vítima do
estupro."
No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco garantiu que vai
respeitar os trâmites, e que a proposta passará por comissões antes de ir a
votação.
"Um projeto dessa natureza, que é evidentemente de
matéria penal e que guarda de fato muita divisão, muita polêmica, é muito
importante se ter cautela em relação a ele. Evidentemente, um projeto dessa
natureza teria o caminho de se incluir dentro do bojo da discussão de código
penal no Senado Federal, ou ao menos a submissão às comissões permanentes da
casa pra que haja um amadurecimento em relação a ele."
No encerramento da cúpula do G7, na Itália, o presidente
Lula criticou o projeto de lei.
"Eu sou contra o aborto, entretanto como o aborto é
realidade, a gente precisa tratar o aborto como questão de saúde pública. E eu
acho que é insanidade alguém querer punir a mulher em uma pena maior do que a
do criminoso que fez o estupro. É no mínimo uma insanidade isso."
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O AUTOR DO PROJETO - Em entrevista ao Fantástico, o deputado federal Sóstenes
Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto de lei 1904/24, diz que a PL é uma reação
a um pedido do PSOL ao STF.
"Na verdade, o projeto é uma reação à ação do PSOL
junto ao Supremo Tribunal Federal. Assistolia é um procedimento médico que é
colocar uma injeção no coração do bebê e ele tem um infarto fulminante. Nós
estamos tratando aqui não de embriões no primeiro, no segundo mês, nós estamos
tratando de vidas com 5 meses e 2 semanas. São as 22 semanas."
No caso da menina estuprada pelo tio, citada no projeto,
ele diz que ela "jamais seria punida por isso".
"Ela é inimputável. Quem disse isso é a lei
brasileira. Ela jamais seria punida por isso aqui. Este projeto é tão light que
só pune depois de 5 meses e meio de gestação, que é uma vida, segundo a OMS,
segundo o Conselho Federal de Medicina. Eu estou preocupado com este bebê e,
lógico, esta menina jamais seria imputável, porque quem garante isso é o código
penal brasileiro."
No entanto, no texto do projeto de lei não há qualquer
referência a isso. Inimputáveis são os menores de idade até 12 anos. O
deputado, membro da bancada evangélica, não mencionou que menores de idade
acima dos 12 anos respondem por ato infracional, são apreendidos e cumprem
medidas socioeducativas.
Cavalcante afirma que projetos passam por ajustes ao
longo de sua construção, mas que não pensa em mexer no texto.
"Eu não gostaria e não vou aceitar que existe ajuste
para minimizar o que a gente está fazendo. Agora para aumentar, por exemplo, se
a relatora, ao ser nomeada, quiser inserir pena maior para o estuprador, eu
apoio e incentivo enormemente. Agora, o cerne do projeto, a defesa do bebê
indefeso de 5 meses e meio, eu não vou abrir mão em nenhum ponto", afirma
o deputado.
"Essa pena quem vai decidir é o juiz a seu critério.
Já está efetuado no parágrafo único, que o juiz inclusive pode não aplicar a
pena se ele entender assim. Então o projeto é muito light, o projeto não é
radical como as abortistas e as feministas estão querendo colocá-lo."
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
divulgou nota em que considera importante a aprovação do projeto de lei.
Nela, a organização diz: "É ilusão pensar que matar
o bebê seja uma solução. O aborto também traz para a gestante grande sofrimento
físico, mental e espiritual. Algumas vezes até a morte".
Já a primeira-dama, Janja da Silva, se posicionou contra
o projeto de lei nas redes sociais. "Isso ataca a dignidade das mulheres e
meninas, garantida pela Constituição Cidadã. É um absurdo e retrocede em nossos
direitos", publicou ela.
"Ninguém está discutindo a legalização do aborto
neste momento. O que a gente está discutindo agora é garantir a meninas e
mulheres vítimas de extrema violência e a maioria esmagadora, o direito de
interromperem uma gestação e conseguirem se recuperar minimamente de traumas
psicológicos gerados por esta violência", diz Temer.
"Isso é uma coisa tão absurda imaginar que alguém
defenda isso. É muito triste. É uma sociedade misógina, que tem ódio às
mulheres. Então é tudo hipocrisia, porque a gente sabe que quando acontece com
a família, eles pensam diferente", afirma Barbosa. (Fonte: Fantástico)
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