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HÁ 5 ANOS, OMS DECLAROU PANDEMIA: BRASIL TINHA FUTEBOL LOTADO E BOLSONARO
MINIMIZAVA O VÍRUS - Há cinco anos, as oitavas de final da Champions League,
maior campeonato de futebol da Europa, aconteciam em Paris com as portas
fechadas ao público. No mesmo dia, no Maracanã, 60 mil pessoas se aglomeraram
para assistir a uma vitória do Flamengo na Libertadores.
Os jogos aconteceram em 11 de março de 2020, dia em que a
OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou oficialmente o início da pandemia
da Covid-19. O vírus já circulava no Brasil, mas apenas 69 casos tinham sido
confirmados até aquele momento —e a primeira morte ocorreria no dia seguinte,
em São Paulo.
As duas situações contrastantes mostram os diferentes
estágios do vírus —e as diferentes respostas políticas— no mundo. A Europa e os
Estados Unidos, onde o coronavírus já circulava em larga escala e fazia crescer
o número de mortos, já tomavam medidas para evitar o contágio, restringindo
viagens e promovendo lockdowns.
No Brasil, o então presidente Jair Bolsonaro (sem partido
à época), iniciava a retórica que marcaria seu mandato e a resposta brasileira
à Covid.
Em 2020, a doença mataria quase 195 mil brasileiros e, em
2021, enquanto o resto do mundo já vacinava sua população e reabria fronteiras
e comércios, morreriam mais de 424 mil brasileiros, de acordo com dados do
Ministério da Saúde.
“Rapidamente foi perceptível que a postura brasileira
seria o negacionismo”, afirma Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde
Pública da USP (Universidade de São Paulo).
No dia 9 de março, Bolsonaro afirmou em evento esvaziado
em Miami, nos EUA, que o coronavírus estava sendo superdimensionado e culpou a
mídia.
Apesar das declarações de Bolsonaro, os primeiros sinais
de atuação davam a entender que haveria uma preocupação com o vírus: a
repatriação dos brasileiros em Wuhan, na China, epicentro da Covid no início do
surto; e, em fevereiro, a declaração de emergência sanitária pelo então
ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Na Educação, o então ministro Abraham
Weintraub já admitia a possibilidade de transferir as aulas para o modelo
remoto, o que de fato aconteceu na semana seguinte, em 17 de março.
O governo dava orientações contraditórias no início da
crise. No dia seguinte à declaração da OMS, Bolsonaro apareceu de máscara em
sua live semanal e desencorajou apoiadores a fazerem manifestações previstas em
seu favor, afirmando que a população deveria evitar que o vírus se espalhasse.
No dia 16 de março, porém, Bolsonaro publicou um decreto
mudando a coordenação da resposta à pandemia para a Casa Civil, comandada pelo
general Braga Netto.
“A partir daí, o Ministério da Saúde perdeu o controle da
resposta à pandemia”, diz Ventura. “A gente vê um processo absolutamente
documentado, por normas e também por atos de gestão, de transferência da cadeia
de comando do Ministério da Saúde, até o esvaziamento completo.”
O tom das declarações de Bolsonaro também aumentaria
conforme o agravamento da pandemia. Em 24 de março, ele já chamava a Covid-19
de “gripezinha”, expressão que virou emblema de como o governo federal
respondeu à crise sanitária —o presidente chegou a negar que tenha usado a
palavra, embora haja ao menos dois registros em vídeo.
Globalmente, diz a professora da USP, o mundo também
enfrentava dificuldades na resposta ao vírus em razão da presidência de Donald
Trump nos Estados Unidos. O republicano, que estava em seu primeiro mandato à
frente da Casa Branca, atuou contra mecanismos internacionais de combate à
pandemia, como a própria OMS. “Ele não foi tão violento quanto agora no seu
segundo mandato, mas restringiu recursos para a cooperação internacional em
saúde”, diz Ventura.
Em março de 2020, o mundo acompanhava assustado a Itália
se tornar o polo de mortes da Covid. Histórias como a da mulher que ficou dias
presa em casa com o corpo do marido, morto pela doença, por causa de uma regra
de quarentena, chegavam aos jornais brasileiros. O país europeu, que tem uma
das populações mais idosas do continente, começou a bater recordes de mortes,
chegando a 919 diárias em 27 de março. Até 4 de abril, havia registrado cerca
de 15 mil vítimas da doença.
No Brasil, o pico de mortes da Covid viria em 2021, em
meio à recusa do governo federal na compra de vacinas e ao atraso generalizado
na aplicação do imunizante. No dia mais letal, 6 de abril de 2021, foram
registrada 4.211 mortes.
A professora da USP afirma que houve, na verdade, uma
estratégia de disseminação intencional da doença durante a gestão Bolsonaro,
com o objetivo de estabelecer a “imunidade de rebanho”. A ideia, que foi tema
recorrente de fala do então presidente, é a de que a circulação do vírus e as
mortes parariam quando uma alta porcentagem da população tivesse tido a doença.
É a mesma lógica, na verdade, por trás da vacinação. A
diferença é que no segundo caso a imunidade de rebanho é atingida sem que haja
contração da doença, o que diminui drasticamente o número de mortes.
Como afirmou o infectologista Renato Kfouri,
vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), à Folha, em
dezembro de 2024, “todas as pandemias terminam da mesma forma, com o
atingimento de uma boa imunidade populacional. A diferença é que você pode
atingir isso com milhares de mortes ou milhões de mortes”. (Fonte: Angela
Boldrini/Folhapress)
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