segunda-feira, 31 de março de 2014

● O lendário Amazonino Mendes, do “ta explicado!” fala tudo para jornal do Amazonas

‘EU MORRO E NÃO ME APOSENTO DA POLÍTICA’, DIZ AMAZONINO MENDES
História viva dos momentos de repressão e censura vividos no período da ditadura militar no Amazonas, o ex-prefeito Amazonino Mendes (PDT) classifica este período como tenebroso. Militante do Partido Comunista, o “partidão”, ele foi preso e respondeu inquérito como “subservivo”.
Durante os 120 dias que ficou aquartelado no 1º Batalhão de Infantaria de Selva (1º BIS), no São Jorge, Zona Oeste, com outros companheiros, entre eles o então deputado estadual Arlindo Porto e o estudante Fábio Lucena, ele revelou que passou momentos de desespero em que quase renunciou à vida, principalmente quando os militares lhe ameaçavam de prender a sua esposa, a então líder estudantil Tarsila Negreiros, que à época estava grávida. Continue lendo...
 “Eu não podia admitir nunca que prendessem minha mulher. Ela estava grávida do nosso primeiro filho”, disse. Conforme o ex-prefeito, nestes quatro meses em que esteve preso ele e seus companheiros não sofreram nenhum tipo de tortura física, mas “fizeram muitas barbaridades”. “Sofri tortura moral”.
Recolhido, sem aparições públicas e se recusando a conceder qualquer entrevista à imprensa, Amazonino aceitou falar ao EM TEMPO sobre estes fatos.
EM TEMPO – Como foi esse momento para o senhor?
AMAZONINO MENDES - No fundo, eu quero crer que quando Getúlio Vargas se suicidou, ele deu um grande golpe. Porque a oposição, inserida na UDN da época, onde estavam os conservadores, estavam na iminência de ganhar a eleição quando Getúlio teve aquele gesto e, com isso, ele protelou, digamos assim, estas pretensões. Mais tarde, coincidiram com os interesses americanos (está mais do que provado que o golpe foi fomentado, sobretudo pelo Departamento de Estado Americano). Essas duas forças organizaram a queda do Jango (João Goulart).
 O início do movimento era a queda do Jango e não entregar o governo para militares. E essa brincadeira foram 20 anos de governo ditatorial e militar. Nessa época, eu era muito jovem e fazia parte do Partido Comunista, de um grupo de estudos nacionalistas e também fazia parte de um movimento de ordem nacional, que a gente tinha contato por meio de conversas e seminários. Líamos muito.
Me recordo que li toda a obra o Capital, eram três volumes à época e em espanhol porque não tinha em português. Então, a gente tinha uma certa instrução teórica, não agíamos por ouvir dizer ou por modismo, mas por convicção intelectual. Fomos surpreendidos, em tese - porque a Une colocou dias antes uma faixa no prédio na praça do Flamengo, no Rio de Janeiro dizendo que o golpe tava na rua e aqui em Manaus se realizava um seminário da Une. Eu estava nesse seminário e nós já estávamos pressentindo. O golpe foi bem urdido.
EM TEMPO – Mas, à princípio, a sociedade apoiou esse movimento...
AM - Veja bem, num país como nosso quem menos sabe para decidir é o povo. Todo processo de informação já é naturalmente filtrado pelos interesses predominantes. Então, a população aderiu em marcha que, por sinal hoje, caricatamente, uns loucos estão preconizando a volta da ditadura. Esses caras não tem ideia do que é isso, e se tem, são verdadeiros criminosos. O povo aderiu massivamente, mas do que aderir o povo ajudou dando alianças, cordões, anéis de ouro, para ajudar a pagar a dívida do país. Meu pai morava em São Paulo. Eu fui preso. Meu pai veio me visitar e, com o filho preso, ele disse para mim: se não ajeitasse o Brasil agora, não ajeitam nunca mais. Na realidade, aquilo tudo era uma falácia, uma mentira gigantesca.
EM TEMPO – Quem eram seus companheiros nesta empreitada?
AM - Eu tinha 23 anos e estava no segundo ano da faculdade de direito. Tive companheiros extraordinários. Nós tínhamos um exercício intelectual quase que permanente. Intelectual e político. Então, esse grupo era composto pelo saudoso Thomaz Meireles, na minha opinião o jovem mais brilhante que conheci na minha vida. “Thomazinho”, com 19 anos ele dava aula de Marxismo. Apesar da pouca idade, era extremamente maduro. Tinha o Moysés Nobre Leão, que hoje é sociólogo. O ex-prefeito de Eirunepé, meu primo, José Edy Montecorrado, Valdir Machado, Deodoro Botinelly e muitos outros da minha geração. Depois fez parte de forma diferenciada nesse grupo o Fábio Lucena, Félix Valois, Álvaro Nina, Paulo Figueiredo, Edgar Ribeiro. Aí fui premiado com a prisão.
EM TEMPO – E como e quando foi essa prisão?
AM – A Polícia Civil me prendeu para dar satisfação ao Exército. Me prenderam dia 3 de abril de 1964. Me levaram para um casarão da Marechal Deodoro e depois me soltaram. Mas no dia 20 de abril, eu ia para a faculdade, quando passei na 7 de Setembro num cruzamento com a Lobo D’Almada e um árabe chamado “Kitkat”, que me conhecia, me chamou e me disse: olha, acabaram de prender o Cid Cabral, que era um alfaiate, companheiro nosso. Percebi que ia ser preso na faculdade, me preparei. Tinha um dinheirinho, comprei cigarro e uma escova de dente. E às 17h apareceram lá e me prenderam, me levaram num jipe aberto. E daí fui sair quatro meses depois, no dia 27 de agosto. Dos jovens que sofreram prisão, foram só eu e o Fabio Lucena que não respondemos inquérito policial militar. Eu respondi mais de uns dez por subversão. Para eles, éramos perigosos.
 E desses que foram presos, só dois estão vivos: eu e o nosso querido Arlindo Porto. Nessa prisão fizeram muitas barbaridades, mas não bateram em ninguém. Sofri tortura moral. Mas cometeram alguns abusos inomináveis. O Francisco Alves dos Santos, um homem sério, advogado trabalhista, como fugiu, prenderam a mulher dele, coisa que só acontecia na idade média. Ameaçaram prender minha mulher. Eu tinha feito um esforço e mandado ela escondida para Belém. Ela era líder estudantil, brilhante, inteligente. Era de esquerda. Fiquei com medo. Eles descobriram o endereço.
Mas, graças a Deus, resisti bravamente. Passei por sensações horríveis. Houve momentos de desespero que eu quis renunciar à vida. Eu não podia admitir nunca que prendesse minha mulher, ela estava grávida do nosso primeiro filho. Também nesta época estava muito influenciado com colegas que tinha em Goiás, sabia que eles estavam se organizando em guerrilhas. Mas, eu não encontrei parceria. Apesar de tudo, foi um momento bonito da minha vida, que lembro com muita honra e satisfação. Vejo que passei pela vida sem ser omisso. Dei minha contribuição.
EM TEMPO – E depois de solto, o que aconteceu?
AM - O negócio era horrível. Sai da prisão dia 27 de agosto. Doze dias depois, nasceu meu filho. Minha família morava em São Paulo. Eu era tido e havido como um “leproso social”. Não tinha ainda a Zona Franca. Não tinha emprego, não tinha nada. Imagina a minha agonia? Como ia sustentar minha família? Me tornei vendedor. Vendia qualquer coisa, eu só voltava para casa depois de fazer alguma venda. Eu ia à noite vender títulos do Olímpico. Fui vender título no Acre, Fortaleza. A vinda de um ministro a Manaus, um dia de antecedência eu era preso. Nós sofremos. Passamos muitos momentos sendo discriminados. Perdi 2 anos de direito na faculdade. Depois que me formei é que comecei a melhorar de vida. Tudo porque fiquei rotulado em decorrência da prisão.
EM TEMPO – Continuou na militância?
AM - Deixei o partido. A gente só existia politicamente quando saía daqui (Manaus). Fazíamos nossos discursos no Rio de Janeiro, São Paulo. Eu fiz vários. Também promovi uma greve no Rio que durou cerca de quatro dias, contra a anuidade escolar e o preço dos ônibus e bondes. A gente lá existia politicamente. Aqui não, era mais um diletantismo intelectual. E, então, depois do golpe, eu me conscientizei. Me questionei: vou sair daqui e me integrar a uma guerrilha ou ficar e cuidar de mim e da minha família? Pensei muito e conclui em ficar e cuidar da minha família.
EM TEMPO – Meio século depois, qual a reflexão que o senhor tira deste período?
AM - O país sofreu muito. Fazendo uma análise honesta e criteriosa, é forçoso reconhecer que na época do Jango havia uma grande predominância política ideológica sem outras preocupações maiores com a questão da economia. Nosso pensamento era muito mais ideológico do que conquista de poder. No governo do Castelo Branco, nós tivemos muita coisa positiva: ele criou o FGTS, fez a lei de abuso de autoridade. Em que pese o Castelo Branco ter sido macomunado, ter passado para história como o organizador de um golpe militar, no fundo o governo dele acertou muita coisa e os biógrafos dizem que a intenção era devolver o governo para os civis. Se ele tivesse feito isso teria sido um dos maiores brasileiros e acredito que até seria perdoado de ter participado do golpe. O país até hoje paga as consequências. Tivemos momentos de mentira gigantesca que foi o milagre econômico. E hoje o povo brasileiro é um dos mais taxados do planeta e tudo em decorrências desses erros.
EM TEMPO – E, em que momento o senhor resolveu entrar para a política partidária?
AM - Eu era um político, mas meu viés político era totalmente diferente da política convencional. Era minha vocação clara. Na época das minhas atividades políticas estudantis, o (Gilberto) Mestrinho era governador e ele me conheceu na campanha Lote Jânio. Eu tive oportunidade de fazer essa campanha e sem querer me “blazonar”,  mobilizei a juventude da época. Ele me conheceu na oportunidade da renúncia do Jânio, comandei a resistência aqui. Ele me viu.
 Mas tarde, quando retornou com a redemocratização, se lembrou de mim. Fui advogado dele. Fiz 512 contrarrazões de recursos para ele, lutando contra a arena. Em razão disso, me convidou para ser prefeito e eu não aceitei. Ele insistiu e eu pedi um tempo, 24 horas, mas com dez minutos voltei e disse: topo. Tive que fazer um exercício muito grande para me adaptar, pois era completamente diferente da atividade que sempre fiz. Tanto é que até hoje, eu olho o processo político que está aí com certa reserva. Não é o que eu quis. Sempre achei esse processo político errado, baseado em coisas equivocadas. Os acordos políticos você tem que fazer.
Como você vai vencer eleições sem acordos?


Vá analisar esses acordos, horríveis. Tudo que eu imaginava na minha juventude o que era processo político e de repente, processo político é outro. O bem do povo vem em último lugar. Fui para o Senado e vivi isso. Me decepcionei demais. Em primeiro lugar vem o grupo político que você pertence, depois o partido político. Em último lugar é que vem o país. E eu estou me afastando porque acredito que não tenho mais idade para essas coisas não.
EM TEMPO – O senhor está se aposentado da política?
AM - Eu morro e não me aposento. O que não quero é ser objeto de acordo, acertos. Não quero. Vou morrer fazendo política. Estou aqui na minha casa fazendo todo dia política. Não interessa se sou candidato. Mas, política eu faço. É minha obrigação fazer. Se o que eu sei hoje e o que eu aprendi guardar para mim e não agir eu não estou sendo correto. (Em Tempo)

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